quarta-feira, 2 de abril de 2008

Não é este o caminho

Houve quem dissesse que a Ala Liberal não servia para nada, talvez apenas para enfeitar o projecto político de Paulo Portas. Nunca perdemos tempo a desmentir a coisa, tão certos estávamos de que chegaria o dia em não poderíamos senão contestar as opções de política económica do CDS. Chegou o dia.

De acordo com o site do CDS, pelo que se presume verdadeira a notícia, Paulo Portas não só se queixou do aumento de certos bens acima da inflação como igualmente propôs que a Autoridade da Concorrência investigasse a formação de preços de certos bens essenciais no último ano, uma vez que duvidou que a descida do IVA para 20 por cento tivesse tido reflexos na redução dos respectivos preços.

Vale a pena lembrar que como a inflação é calculada como a média da subida de certo grupo de preços, haverá sempre comodidades desse cabaz que sobem acima do valor médio. Outras subirão abaixo. Além disso a inflação é calculada, a posteriori, contabilizando esses mesmos aumentos acima do seu valor médio, i.e., se o valor inflação é de 3% isso acontece justamente devido ao aumento de 10% do pão, por exemplo. Tentar harmonizar os dois valores resulta numa fórmula recursiva sem solução, ou em obrigar que todas as comodidades do cabaz subam o mesmo que a subida mais elevada. Mas adiante.

No contexto de descida do IVA, o grupo parlamentar do CDS lançou a peregrina ideia de pedir uma investigação aos aumentos dos bens essenciais.

A ideia de obrigar a que a baixa do IVA se repercuta nos preços finais dos bens é tão perigosa numa economia livre que assusta qualquer aproximação ao liberalismo que se pretenda fazer. E nem é preciso ir buscar Bastiat para falar dos efeitos escondidos da medida, porque neste caso, os efeitos estão à vista de todos, e colocam o Estado perigosamente no centro da política económica. Precisamente onde ele não deveria estar,

E não deveria estar apenas pela defesa da liberdade económica como fim em si mesmo, mas porque essa defesa deve ser feita pelas conhecidas consequências da interferência do estado na liberdade económica.

As filas do pão de Estaline, a carência de bens essenciais na Venezuela, etc, são consequências de ideias (postas em prática) como as que o CDS agora defende. Recorde-se que a escassez de recursos é inerente ao nosso meio físico, mas a carência desses recursos no mercado é um efeito articial da intervenção do estado nesse mesmo mercado. Sowell explica isso bem no terceiro capítulo do seu "Basic Economics".

Carência dos bens alvos dum controlo de preços (em causa estão, pelos vistos, o pão, os ovos, o leite e o gás) seria o resultado das políticas que o CDS defende. O CDS ressuscita o conceito de economia mista da Constituição para que possa ser o estado e não o mercado (ou seja os produtores/vendedores e os consumidores, mediante as suas escolhas) a fixar os preços dos bens disponíveis. Bens que, aliás, se tornariam rapidamente menos disponíveis.

E ainda que venha falar-se em combate à cartelização ou ao abuso de posição do mercado, a verdade é que o contexto em que as medidas foram anunciadas, reflexo de uma descida do IVA, pressupõe algo mais.

Confundir os meios legais de que dispõe a Autoridade da Concorrência para combater esses efeitos, com ver "a evolução de preços [antes e depois da descida do IVA] para se ver qual o efeito [real] no preço dos bens", é perigoso e nada desejável.

Uma coisa são empresas que abusem da sua posição de mercado para fixar concertar preços não deixando o mercado funcionar. Outra é pretender que as empresas repercutam a descida do imposto no preço final.

É fundamental que os preços fluam livremente e seja a mesma concorrência que evita a cartelização, a incentivar descidas de preço - o que aliás aconteceu aquando do aumento do IVA quando houve campanha publicitárias em que empresas faziam notar que não subiriam os preços, apesar da subida do imposto. A evolução dos preços e a comparação deles, já agora, não cabe ao estado, que nisso gastaria recursos pagos pelo contribuinte. Há iniciativas privadas que o fazem como a Deco ou o www.maisgasolina.com.

Há ainda que perceber que alguns dos aumentos são, eles mesmo, consequência de intervenção do estado no mercado. A produção do leite é, por exemplo, sujeita a quotas por Bruxelas. Como tal os bens produzidos não respondem da forma mais eficiente às flutuações do consumo, o que se repercute no seu preço e na sua disponibilidade. Atacar esta frente de Socialismo que protege produtores em detrimento dos consumidores ficaria melhor ao CDS.

Depois ficamos sem perceber que resultado teria a vigilância estatal sobre a evolução dos preços. Quais as consequências? Haveria um comissário que decidiria qual o aumento justo dos preços? (Já vimos que é infrutífero tentar que o pão suba o mesmo que a inflação…) As empresas só poderiam subir os preços dos seus produtos até determinado valor? Qualquer destas possibilidades, bem como a de obrigar que a descida do IVA seja repercutida nos preços finais é de cariz socialista e contrária à matriz identitária do CDS.

Portas e o grupo parlamentar atiram-se para a esquerda do PS com esta proposta, e ficamos com dúvidas que tal disparate consiga ser corrigido a tempo de convencer o eleitorado liberal para as eleições de 2009. Fica a ideia que com este CDS no governo a economia estaria ainda pior que com o PS. É pena. E não nos apetece ir por aí.
Adolfo Mesquita Nunes
Michael Seufert

8 comentários:

AA disse...

muito bem.

Tiago Loureiro disse...

Eis um post que merece um generoso aplauso. De facto, se queremos um partido a rumar cada vez mais ao sabor de uma maré liberal, cada vez menos podemos dar-nos ao luxo de acreditar neste desorientado CDS-P(aulo)P(ortas).

Quanto à Ala Liberal, entendo que pode vir a ter um papel importantíssimo para uma mudança de mentalidade dentro do partido, direccionando-o naquele que, a meu ver, é o caminho certo: o liberalismo! Mas, vendo a declaração de princípios e a generalidade dos posts, a Ala Liberal deixa-me um certo amargo de boca. Afinal, se a sua perspectiva económica é coerentemente liberal (como é, teoricamente, a do CDS-PP actual), onde está a abertura ao liberalismo social? É para ter em conta? Faz parte dos planos desta tendência? Ou a Ala Liberal vai tomar para si o pecado original dos partidos portugueses em geral e do CDS-PP em particular, definindo-se como liberal a metade, e ficar para a história como uma solução verdadeiramente liberal por cumprir?

michael seufert disse...

tiago:
valeria a pena definir o que é "liberalismo social" e que medidas essa corrente preconizaria.

Tiago Loureiro disse...

O “liberalismo social” de que falo não é exactamente a corrente propriamente dita.

Vou tentar ser mais claro, e tentar fazer-me entender:

1. Acredito que um liberal deve defender a maximização de todas as liberdades individuais até ao limite, sendo que este deverá ser entendido como a linha de fronteira entre a minha liberdade e a liberdade do outro.

2. De uma forma genérica, podemos definir a construção de uma ideologia política como um processo que emana de posições definidas em dois grandes campos: o económico e o social. Os demais serão campos de abrangência mais curta ou resultantes da interacção dos dois primeiros (o caso da segurança social parece-me paradigmático).

Assim, entendo que só defendendo um liberalismo económico e um liberalismo social, alguém se pode definir como um liberal de facto. Como no espectro dos partidos políticos portugueses (os parlamentares pelo menos) apenas encontramos partidos ao mesmo tempo conservadores e liberais, a minha curiosidade genérica é a de saber se a Ala Liberal estará disposta a lutar por um CDS-PP verdadeiramente liberal (sendo que, actualmente, é liberal economicamente e conservador socialmente).

Como curiosidade particular, gostaria de saber se alguém que defende mudanças no CDS-PP em questões como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, encontra na Ala Liberal pessoas com o mesmo tipo de preocupações.

caodeguarda disse...

Pois... mas desde quando o CDS é libral? e estando a economia estatizada não há livre regulação de preços... aliás e infelizmente, os poucos casos onde isso aconteceu, não foram regidos pela lei da oferta e da procura mas sim pela oferta apenas ao preço máximo... se o CDS fosse um partido liberal parava para pensar em todas as propostas que faz e não andava ao sabor das paragonas dos jornais... pode-se ver isso em 90% das propostas desse partido...

Sou um ex-eleitor desiludido que não vota CDS há duas legislativas e pelo andar da carruagem, vou continuar a votar em branco pois não aprecem alternativas credíveis (o PND não é alternativa, seria se o MM não fosse o presidente e ficasse como mero teorico)...

michael seufert disse...

Gonçalo: se o CDS fosse um partido liberal, não teria uma ala liberal. Era como ter uma ala comunista no PC.
Tiago: não posso falar senão em meu nome pessoal. A questão do casamento não é propriamente uma questão que me preocupe muito. Até porque com as alterações que se avizinham, o casamento deixa de ter qualquer valor e passa a ser uma espécie de passeio de autocarro, do qual os passageiros saem quando querem. Mas já que pergunta, quanto a mim não deveria haver sancionamento do casamento por parte do estado. As questões de matéria de herança, partilha da propriedade, etc, deveriam ser regulados entre duas ou mais pessoas (com as combinações de género que quiser imaginar) pela sua livre vontade, em contrato civil que bem quiserem assinar.
Caberia apenas ao estado regular (e já o fdaz nem que não haja casamento) as questões do poder paternal.

Augusto Emilio disse...

Caro MS,

Na grande maioria dos textos escritos por si que tenho lido, revejo muitas das ideias em que acredito. O que me parece, e corrija-me se estou errado, é que estão a tentar mudar um partido nada liberal, e de fundo conservador rígido. Não faria mais sentido organizar um projecto para um novo partido que espelhasse o desejo de cada vez mais pessoas? Vejo bons intervenientes na Causa Liberal, na Atlântico ou no Insurgente só para citar alguns, para integrá-lo. E se essas pessoas não estão interessadas num projecto novo, então que tenham vergonha falar, pois as causas em que se acredita só têm valor se forem defendidas. E manifestamente o país está cansado da apatia do centro e a única opção que se lhes depara é uma extrema esquerda cosmetizada.
Acreditando que o liberalismo é válido, e que uma ideia bem defendida se espalha, aqui deixo o desafio.

Bem-haja!

João Baptista Pico disse...

Ala Liberal bye,bye...
Ainda bem que não obtiveram as assinaturas suficientes...
E agiora serão capazes de pensar em coisas mais úteis e práticas?!
É que o país está a entrar em auto-gestão, com cada um a dar palpites e a tomar liberalidades...
Por acaso, sabem dizer-me se o RGEU de 1951 que fixava uma frente mínima de 7 metros virada à rua e um logradouro mínimo de 6 metros depois de construída a casa numa qualquer aldeia ou vila é mais liberal ou menos liberal do que um PDM que só deixa construir 0,3 da área desse terreno, numa povoação rural, porque há que preservar o verde, quando o verde é o que mais abunda no meio rural, pelo menos, fora das épocas de fogos...

Convençam-me!